Exportação de gado vivo: uma discussão que precisa ser feita
O impasse jurídico da exportação de gado vivo no Porto de Santos trouxe à tona uma série de discussões em relação ao bem-estar animal durante o transporte marítimo. De um lado, as ONGs afirmam que esse tipo de viagem não oferece a menor condição de conforto aos animais e pedem o fim da atividade. Já no lado oposto, os pecuaristas e entidades do setor alegam que cumprem todas as normas impostas pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e repudiam qualquer forma de embargo. Responsável pela ação que impediu durante uma semana a ida do navio Nada com 27.000 bois à Turquia, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, afirma que acompanha as exportações de bovinos vivos há cerca de dois anos e que esse tipo de atividade tem que acabar. “É um meio de transporte ultrapassado e expõe aos animais a situações extremas de estresse. Essa atividade pode ter sido muito importante no século passado, mas temos que pensar no futuro e ela não pode continuar”, destacou a médica veterinária especialista em bem-estar animal e diretora técnica do fórum, Vânia Plaza Nunes.
Os principais pontos criticados pela ONG é o longo período de viagem, geralmente mais de 15 dias; a falta de espaço, que limita a movimentação dos animais; além da precariedade no fornecimento de água, comida e higiênica na maioria das embarcações. “O setor produtivo se preocupa apenas com questões sanitárias e se esquece do bem-estar dos animais, que vai muito além das normas que eles afirmam cumprir”, destacou Vânia. A diretora também criticou o jeito com que as discussões do tema ocorrem, pois afirma que os interesses econômicos sempre falam mais alto. “Nesse caso recente, em Santos, havia uma série de argumentos técnicos para o embargo e a justiça liberou o Navio alegando apenas razões econômicas”. “Espero que um dia isso mude e o bem-estar dos animais seja uma prioridade”, acrescentou. Mesmo lamentando o desdobramento do embargo, Vânia afirma que o Fórum continuará lutando para embargar as exportações de gado vivo no Brasil e reforça que há um movimento global contra a atividade. “No ano passado a veterinária australiana Lynn Simpson, que atuou por 11 anos com exportação de animais vivos, visitou o Brasil e fez uma análise de todo o processo. Os mesmos danos que ocorrem aqui, acontecem em todo o mundo. O que reforça ainda mais a nossa causa”, concluiu.
Normas e recomendações no processo - O zootecnista e especialista em bem-estar animal, Adriano Páscoa, da BEA Consultoria, explica que o transporte marítimo expõe os animais a condições de estresse, assim como ocorre em qualquer outro deslocamento, pelo fato de ser uma quebra na rotina do animal. No entanto, ele afirma que em todos os casos sempre é possível oferecer condições de bem-estar. “Existem regras internacionais para oferecer, mas, na maioria dos casos, falta fiscalização”, destacou. Em julho de 2016, Páscoa apresentou um relatório ao Mapa com sugestões de bem-estar animal e controle que deveriam ser feitos em todas as etapas do processo. Ele explica que mesmo que a indústria siga à risca todas as normas atuais da OIE, as questões comportamentais ainda não serão totalmente atendidas.
Na questão de espaçamento, o zootecnista afirma que ainda não há nenhum trabalho específico para saber qual a metragem adequada em viagens marítimas e é difícil estabelecer um parâmetro. Em transportes rodoviários, por exemplo, o espaçamento recomendado para um animal de 500 kg é entre 1,20 e 1,25 m². No entanto, nesse tipo de transporte o percurso é bem menor. Já em alojamentos de frigoríficos, o espaçamento sobe para 2,5 m²/animal, segundo o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa), do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Para amenizar questão mais crítica nesse tipo de viagem - o tempo de percurso -, Páscoa aconselha que os animais sejam tratados como em um confinamento indoor. “Se os bois tiverem espaço, qualidade de piso, qualidade de ar, comida e água, a distância e o tempo de viagem não seriam mais tão importantes”.
Para reduzir o estresse e brigas a bordo, o especialista também acrescenta que é indicado que os animais passem por um período de adaptação com os seus companheiros de lote já no Estabelecimento Pré-Embarque (EPE). Nesse momento, eles também devem ter acesso à mesma comida que será fornecida na embarcação. O especialista também afirma que o momento é o ideal para se discutir o tema, embora as possíveis decisões possam não agradar a todos. "Dificilmente conseguiremos chegar a um consenso e agradar os militantes de opiniões mais fortes de ambos os lados. Mas, é possível agradar os que estão dispostos a negociar. Atender ao bem-estar animal custa caro, mas o retorno acontece pela qualidade do produto, além de ser uma propaganda positiva para o país”.
Normas atualizadas - Conforme já publicado pelo Portal DBO, o Mapa deve publicar normas atualizadas para exportação de animais em breve. A consulta pública foi realizada em 2017 e recebeu 119 manifestações. O relatório consolidado deve ser encaminhado para publicação em março.